Vidas indígenas importam
Sexta-Feira, 23 de Julho de 2021
Indígenas de diferentes povos estão em Brasília,
desde o início de junho, em defesa de seus direitos constitucionais e contra
propostas legislativas anti-indígenas, como o projeto de lei (PL) 490/ 2007, em
tramitação na Câmara dos Deputados. A proposição legaliza empreendimentos em
áreas reservadas, permitindo a retirada da posse de terras dos índios e
dificultando demarcações de novas áreas. Além desse PL, outras propostas
anti-indígenas estão em pauta no Congresso, representando uma ameaça aos índios
e ao meio ambiente. A bancada ruralista encontrou na pandemia um momento
propício para “passar a boiada”, aumentando os conflitos e a violência em solo
indígena.
A Constituição Federal de 1988 representou um
avanço importante aos direitos e interesses indígenas, assegurando um capítulo
(“Dos Índios” – Artigos 231 e 232), exclusivamente ao reconhecimento de sua
organização social, costumes, tradições e os direitos originários sobre as
terras que tradicionalmente ocupam, ou seja, estabeleceu a prerrogativa da
posse territorial habitada pelos índios. O conceito de direito originário
(“teoria do indigenato”) existia desde o século XVII, quando a Coroa Portuguesa
editou diplomas legais para consolidar os direitos territoriais indígenas, como
o Alvará Régio de 1680. A Constituição reafirmou que a posse da terra indígena
é anterior à formação do próprio Estado, independentemente de qualquer
reconhecimento oficial.
O PL 490/ 2007 refuta essa teoria e adota a tese
do “marco temporal”, pelo qual somente teriam direito à terra aqueles povos
indígenas que estivessem em sua posse na data da promulgação da Constituição,
ou seja, 5 de outubro de 1988 – ou que estivessem em disputa judicial ou
conflito direto com invasores nessa data. Além disso, a proposição permite a instalação
de hidrelétricas, mineração, estradas e arrendamentos em áreas reservadas sem
consulta prévia às comunidades diretamente atingidas, podendo, inclusive,
legalizar garimpos.
O tema é tão importante que será um dos assuntos
debatidos no “Curso de Atualização em: Direitos, Cultura e História dos Povos
Indígenas”, realizado pelo IBNCE, on-line e ao vivo, começando no dia 5 de
julho. A proposição foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e
segue para o Plenário da Câmara do Deputados.
Uma esperança para os índios é o julgamento, pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), do Recurso Extraordinário (RE) que trata da
demarcação da Terra Indígena Ibirama-Laklanõ, previsto para o dia 30 de junho.
O caso ganhou “repercussão geral” reconhecido pela Corte, ou seja, a decisão
tomada neste processo servirá como diretriz para a gestão federal e demais
ações judiciais envolvendo demarcação de terras indígenas em todo país, além de
balizar propostas legislativas, como o PL 490/ 2007.
Cerca de 850 indígenas de 45 povos de todas as
regiões do país participam dessa mobilização na capital federal, na esperança
que seus direitos sejam assegurados pela Justiça e pelos políticos brasileiros.
Eles pedem aos ministros do STF a reafirmação de suas garantias legais estabelecidas
na Constituição e o fim definitivo da tese do “marco temporal”. Já para o
Congresso, eles cobram o arquivamento das proposições anti-indígenas. É
necessária uma consciência de que a vida dos índios também é importante para a
nação brasileira.
Andréia de Oliveira Bonifácio Santos é Mestra em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela E.S.D.H.C (tese aprovada com distinção); Bolsista e pesquisadora em Direito Animal (FAPEMIG período 2016-2018); Membro do IAA, membro do Grupo de Pesquisa em Direitos dos Animais da U.F.S.M. É coordenadora e professora de pós graduação.
Disponível em: https://www.hojeemdia.com.br/opini%C3%A3o/blogs/opini%C3%A3o-1.363900/vidas-ind%C3%ADgenas-importam-1.842705